segunda-feira, 8 de junho de 2009

COMPORTAMENTO: O TEMPO PASSA, O TEMPO VOA

Como, ao longo dos séculos, nos tornamos reféns da tirania do relógio
Por Oscar D'Ambrosio

Malgrado as recentes descobertas tecnológicas que, teoricamente, nos facilitariam a vida, mais e mais nos tornamos parecidos com o Coelho, personagem de Alice no País das Maravilhas, do escritor e matemático inglês Lewis Carroll. No livro, sempre ansioso e de olho no relógio, correndo de um lado para outro, Coelho limita-se a repetir "estou atrasado, estou atrasado". De fato, embora o dia continue tendo as mesmas 24 horas que tinha antes da Revolução Industrial, no final do século XIX, nunca as pessoas se queixaram tanto, ansiando por mais alguns minutinhos que lhes possibilitem terminar suas atividades cotidianas. "O homem quer sempre superar e melhorar os seus limites. Fazer cada vez mais em menos tempo se tornou uma obsessão", afirma o filósofo e cientista social Alonso Bezerra de Carvalho, do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências e Letras (FCL) da UNESP, câmpus de Assis. "No mundo moderno, dominado pela velocidade, onde tudo é para ontem, o ser humano tende a esvaziar o passado. Perde, assim, a memória e suprime a possibilidade de construir um futuro."
Fascinado pela questão da passagem do tempo, Carvalho, após ser procurado, no ano passado, para uma reportagem sobre o tema pela revista Emoção & Inteligência, da Editora Abril, escreveu o ensaio "O tempo", ainda inédito, em que acentua como o ser humano vive cada vez mais prisioneiro da onipresença do relógio. A natureza, a existência e o significado do tempo já preocupavam o filósofo Santo Agostinho (séculos IV e V) que, escrevendo sobre o que é o tempo, em suas Confissões, diz: "se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei". Uma visão menos filosófica e mais prática, no entanto, pode ser encontrada nos experimentos científicos. "Todo processo físico ocorre dentro de um certo tempo característico e, sempre que preciso, podemos ir ao laboratório medir esse tempo", diz o físico Adriano Natale, do Instituto de Física da UNESP, câmpus de São Paulo.
ATEMPORALIDADE
Um artista, por exemplo, tem uma outra noção de tempo. Professor do Instituto de Artes da UNESP, câmpus de São Paulo, o pintor Percival Tirapeli acredita que o tempo de cada um não se mede pela rígida métrica das horas. "Quando não se quer fazer algo, não se acha tempo. E o contrário também é verdadeiro. Ao criar uma obra, o tempo passa e não percebo. Não sinto fome e, como planejo para não ser perturbado, entro em uma atemporalidade."
Para Rogério Elpídio Chociay, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce) da UNESP, câmpus de São José do Rio Preto, o romancista Marcel Proust e o poeta Fernando Pessoa são mestres em tratar a subjetividade do tempo, mostrando a impotência do homem ao lidar com sua passagem inexorável. Ele acredita que, com o correr dos anos e a inevitável frustração de desejos e ambições, o homem, seja ele sonhador ou prático, sempre acaba vitimado pelo tempo. "Vemos, tanto na obra do romancista francês como na do poeta português, que o sonhador sucumbe porque acredita que o tempo acaba com os próprios sonhos, enquanto o homem prático se frustra ao perceber que não consegue dominá-lo", afirma. (veja quadro abaixo)
A Revolução Industrial é, para Alonso Bezerra de Carvalho, o marco da adequação do homem à máquina e a contagem precisa de cada instante. "O tempo passou a ser preenchido segundo as normas da linha de montagem e do consumismo", explica. "Sob a máxima de Benjamin Franklin ‘tempo é dinheiro’, baseada no pensamento de Teofrasto, filósofo grego do século III a. C., aguça-se a mania de quantificar tudo e o homem passa a ser apenas uma peça numa engrenagem."
CARÊNCIAS EXISTENCIAIS
Principalmente após a ampla divulgação das máquinas, o homem foi levado a acreditar que o tempo se moldaria às suas necessidades. Não foi, claro, o que ocorreu. "Buscamos preencher nossas carências existenciais desenvolvendo inúmeras atividades e acabamos num círculo vicioso, porque essas exigências determinam nossas vidas", diz a psicóloga Vera Resende, da Faculdade de Ciências da UNESP, câmpus de Bauru. "Não houve, portanto, diminuição do tempo, mas aumento de atividades."
Se é verdade que o trabalho aumentou, para o geógrafo Messias Modesto dos Passos, diretor da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) do câmpus de Presidente Prudente, a maior dificuldade de se administrar o tempo estaria em permitir o improviso. "O varejo recebe uma prioridade maior do que o programado", sustenta. A crescente complexidade da informação também dificultaria a administração do tempo. "O volume da produção do conhecimento aumenta dia a dia, o que exige uma atualização permanente", diz o zoólogo Arif Cais, do Ibilce. "Nenhum intelectual ou cientista pode dar conta das leituras dos principais periódicos da sua área", completa o psicólogo Kester Carrara, diretor da Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC) da UNESP, câmpus de Marília.
O tempo atual, na esfera política e econômica, segundo Carvalho, é injusto e discriminatório, porque poucos usufruem das riquezas produzidas. "Influenciados pela propaganda que estimula o consumismo, perdemos a noção de que somos construtores de nossa própria história", lamenta. "Isso nos leva a perder a ligação entre nós e o tempo. Se esquecemos do passado, negamos toda a experiência de uma vida e, se recusamos o futuro, abandonamos a possibilidade de descobrir o novo a cada instante". Para Carrara, imerso num universo de culto à rapidez, o homem se distancia cada dia mais de duas coisas preciosas: o saudável culto ao ócio e à liberdade.
Fonte: Jornal da UNESP

quarta-feira, 3 de junho de 2009

A reconfiguração da Família

Família Contemporânea
Angélica Lima
É intuitivo identificar família com a noção de casamento, ou seja, um conjunto de pessoas ligadas a um casal, unida pelo vínculo do matrimônio. Também vem à mente a imagem da família patriarcal, sendo o pai a figura central, na companhia da esposa e rodeado de filhos, genros, nora e netos. Essa visão hierarquizada da família, no entanto, vem sofrendo com tempo uma profunda transformação. Além de ter ocorrido uma significativa diminuição do número de seus componentes, também começou haver uma inversão de papéis, e os seus novos contornos estão quase a desafiar a possibilidade de encontrar uma conceituação única para sua identificação.

De início duas pessoas fundiam-se numa só, formando uma unidade patrimonial, tendo o homem como o único elemento identificador do núcleo familiar. Com o tempo, o conceito de família foi se alargando, passando a integrá-lo as relações monoparentais, de um dos pais com seus filhos. Esse redimensionamento acabou afastando da ideia de família o pressuposto do casamento. Para a sua configuração, deixou-se de exigir a necessidade de existência de um par, o que consequentemente subtraiu de sua finalidade a proliferação.

Com a implantação do Divórcio, surgiu a instabilidade das uniões tradicionais e a consequente aceitação de união estável, aquela onde ainda existe a convivência duradoura, pública e contínua de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família. Mas vale ressaltar, que aqui não ocorre vínculo civil da relação. Novos modelos familiares, muitos formados por pessoas que saíram de outras relações, fizeram surgir novas estruturas de convívio.

A família dita moderna e ou contemporânea constituiu-se em um núcleo de crescente transformação a partir do desgastado modelo clássico, matrimonialmente hierarquizado e centralizador de uma prole numerosa que conferia status ao casal. Opta-se agora, por uma prole reduzida, em que papéis se sobrepõem e se alternam, se confundem e ao mesmo tempo se invertem. Percebendo-se assim, uma dinâmica nas transformações junto à “família tradicional”.
Ilustração
A Família - Tarcila do Amaral

terça-feira, 2 de junho de 2009

Os aleijados às avessas


Os aleijados às avessas

Escrito por Gabriel Perissé
09-Abr-2009

Guiado por uma de suas geniais intuições, Nietzsche escreveu sobre os aleijados às avessas. Aleijados que têm em demasia algum órgão do corpo.

Por exemplo, alguém que fosse uma orelha, uma grande e dominante orelha. Esse homem que fosse apêndice de sua própria e imensa orelha, esse homem ouviria demais, preocupado demais com o que se diz. Teria informações auditivas em excesso. Seria vítima de sua maravilhosa audição.

Um homem que não passasse de uma grande boca seria outro tipo de aleijado às avessas. Sua capacidade de abocanhar e mastigar lhe traria imensos sofrimentos. Boca por excelência, esse homem passaria o dia engolindo a tudo e a todos. Sua capacidade devoradora seria sua ruína. Pior do que a fome recorrente é o desejo insaciável, por mais que alguém possa consumir.

Outro aleijado às avessas: o homem-olho. Aquele olho observador, atentíssimo, absorvendo mais imagens do que a mente humana possa concatenar e compreender. Quanta dor essa visão abrangente ofereceria ao homem-olho! Quantos motivos de medo!

E o homem-nariz, então?! Quantos cheiros e aromas perseguiriam essa pobre criatura, "abençoada" pela tremenda capacidade de possuir, ou melhor, de ser nariz. E sendo nariz poderoso, tal homem padeceria horrivelmente. Porque seria, sobretudo, nariz, saberia que nenhuma flor é flor que se cheire, que todo perfume esconde fedor, que todo fedor prenuncia a dor.

Todos somos propensos a desenvolver algum tipo de deformação às avessas, hipertrofiando algo de nós, transformando-nos em seres superdotados em um único aspecto, limitados pelo fato de ultrapassarmos os limites.

Posso me tornar um homem-mão. E essa tamanha habilidade para pegar, fazer, manipular... será motivo diário para um cansaço indescritível.

Ou posso me tornar homem-pescoço, homem-joelho, homem-ventre, homem-ombro — e em todas essas situações, e em todas as demais possibilidades que nos ocorra imaginar, serei prisioneiro de uma melhoria localizada, de uma perfeição fragmentada, de um tudo que é nada.

O aleijado às avessas tem, na sua força, a sua fraqueza. Tem, na sua especial competência, a sua maior incompetência.

Podemos ir mais longe.

O homem-cartão-de-crédito, cujo poder de compra é sua infinita pobreza.

O homem-eloqüência, fadado a falar, falar, falar... e falir.

O homem-pontualidade... alvo fácil para a morte.

O homem-sorte, sem motivos para lutar, sem fracassos a superar.

O homem-texto, que escreve mais do que vive, e não adquiriu a sabedoria de colocar o ponto final.
Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor.

domingo, 31 de maio de 2009

Quando Nietzsche Chorou (2007)


Titulo Original: When Nietzsche Wept
Gênero: Drama
Duração: 104
País: EUA
Ano: 2007


Produção baseada no livro de grande sucesso, que também já virou peça de teatro, do escritor Irvin Yalom. O filme conta a história fictícia de um encontro entre o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (Armand Assante de Tudo por Dinheiro) e o médico Josef Breuer (Ben Cross de o Exorcista - O Início), conhecido por ter sido o mestre do pai da psicanálise, Sigmund Freud (que também aparece no filme na pele do ator Jamie Elman de o Preço de Uma Verdade). O filme se passa na época em que Nietzsche ainda é um filósofo desconhecido e com tendências suicidas. Ele está desesperado depois de se apaixonar por uma amiga, que acaba procurando o doutor Breuer para ajudá-lo. O médico, por seu lado, está envolvido emocionalmente por uma de suas pacientes. Assim, os dois começam mais do que uma ánalise, um verdadeiro conflito psicológico. O médico acaba envolvido pelas idéias de seu paciente mais famoso, e começa a perceber coisas que nem imaginava sobre si mesmo. O filme tem um diálogo forte que explora campos interessantes da filosofia e da psicologia.

Algumas obras de Nietzsche

Para além do bem e do mal

O Anticristo

Assim falou Zaratustra

Crepúsculo dos ídolos

Deus está morto

Ditirambos de Dionísio

A Gaia Ciência

Genealogia da moral, uma polêmica

Humano, demasiado Humano

O nascimento da tragédia no espirito da música

Remontar o passado, penetrar no presente, vislumbrar o futuro

Um pouco sobre Friedrich Wilhelm Nietzsche...
Nietzsche nasceu em Rocken, Alemanha, no dia de 15 de outubro de 1844. Órfão de pai aos 5 anos de idade foi instruído pela mãe nos rígidos princípios da religião cristã.
Cursou teologia e filologia na Universidade de Bonn.
Lecionou Filologia na Universidade de Basiléia, na Suíça, de 1868 a 1879, ano que deixou a cátedra por doença.
Passou a receber , a título de pensão, 3.000 francos suíços que lhe permitiam viajar e financiar a publicação de seus livros.
Empreendeu muitas viagens pela Costa Azul francesa e pela Itália, desfrutando de seu tempo para escrever e conviver com amigos e intelectuais.
Não conseguindo levar a termo uma grande aspiração, a de casar-se com Lou Andreas Salomé, por causa da sífilis contraída em 1866, entregou-se à solidão e ao sofrimento, isolando-se em sua casa, na companhia de sua mãe e de sua irmã.
Atingido por crises de loucura em 1889, passou os últimos anos de sua vida recluso, vindo a falecer em no dia 25 de agosto de 1900, em Weimar.
Nietzsche era dotado de um espirito irriquieto, perquiridor, próprio de uma grande pensador. De índole romantica, poeta por natureza, levado pela imaginação, Nietzsche era o tipo de homem que vivia recurvado sobre si mesmo.
Emotivo e fascinado por tudo o que resplende vida, era ao mesmo tempo sedento por liberdade espiritual e intelectual; levado pelo instinto ao mundo irreal, ao mesmo tempo era apegado ao mundo concreto e real; religioso por natureza e por formação, era ao mesmo tempo um demolidor de religiões; entusiasta defensor da beleza da vida, era tembém crítico feroz da fraqueza humana; conhecedor de si mesmo, era seu próprio algoz; seu espirito era campo aberto em que irromperam as mais variadas tendências, sob a influência de sua agitada consciência.
Espirito irriquieto e insatisfeito, consciência eruptiva e crítica, vivia uma vida lutas contra si mesmo, de choques com a humanidade, de paradoxos sem limite. Assim era Nietzsche.
Fonte: Nietzsche. Humano, demasiado humano. Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal